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sexta-feira, 30 de março de 2012

Um recado, atrasado, para um currículo “moderno”…

1. A pós-modernidade provocou grandes mudanças nas relações sociais e, simultaneamente, abriu um espaço de questionamento sobre o papel das artes na educação contemporânea – globalizada e interdependente – ligada por sistemas e redes de informação e caracterizada pela pluralidade, pela fragmentação, pelas múltiplas culturas e pela obrigação de instauração de novas formas de diálogo.
Por isso, nos últimos tempos têm sido realizadas, em vários países europeus, iniciativas diversificadas com o objectivo de identificar, defender e promover os interesses comuns da humanidade – nomeadamente a cultura e a identidade – visando que, para além do quadro comum de referências que se foi instituindo naturalmente, sejam dadas respostas aos novos desafios da sociedade pós-moderna.
Com efeito, ao mesmo tempo que ocorreu a constituição de uma comunidade global formada pelos países da União Europeia, em consequência da economia mundial – o que contribuiu para uniformizar a cultura e neutralizar as diferenças nacionais criando uma sociedade de consumo com uma cultura homogénea – a mobilidade dos cidadãos europeus e o fluxo de migrações originaram um novo quadro social para o qual é urgente incrementar estratégias e acções que garantam um espaço cultural diversificado, aberto ao pluralismo, à diversidade de género, de etnias e de culturas.
Assim, no âmbito desta sociedade pós-moderna, na qual se colocam como prioridades a preservação dos direitos culturais e o respeito pelas diversas identidades culturais, quais são os novos desafios que se colocam à educação artística? Quais as implicações destes paradigmas? Como conceber propostas pedagógicas ajustadas a esta realidade?
2. É inequívoco que, presentemente, a consciência da importância dos factores socioculturais para a produção de significados tem efeitos, tanto no campo artístico como no espaço educativo, pelo que não pode ser ignorado e obriga ao reforço do papel dos professores de artes na sociedade e à análise deste paradigma cultural.

Hoje, no espaço das artes coexistem as artes denominadas tradicionais – as artes plásticas, o teatro, a dança, a música, a literatura – e as novas formas digitais, fruto das tecnologias cada vez mais avançadas. Assim, a arte contemporânea apresenta-se como eclética e pluralista, já que proporciona o convívio de formas culturais diversas, não tem como objectivo criar representações verdadeiras ou únicas da realidade e, sobretudo, manifesta uma maior abertura às culturas populares.
Ora este novo posicionamento obriga a repensar a área da educação artística, dado que um dos conceitos fundamentais para a aprendizagem das artes – o da apreciação da obra de arte – passou a ser menos valorizado, ao invés das noções de contextualização, de instrumentalização e de interdisciplinaridade
As concepções de arte, sustentadas pelas correntes modernas de pensamento sobre a cultura e a sociedade, vieram alterar profundamente o papel das artes, factor que obriga os educadores a desenvolverem novas práticas pedagógicas, no sentido de proporcionar às crianças e aos jovens uma educação que não só forneça meios para a compreensão e preservação das culturas minoritárias – que estão em risco perante a globalização – mas que contribua, igualmente, para o conhecimento e para a criação das suas identidades pessoais.
Desde o início dos tempos que as artes ajudaram a perceber o mundo que rodeava os indivíduos, a configurá-lo e a dar-lhe sentido. No entanto, ainda hoje se continua a debater a importância da educação artística e a apresentarem-se razões para a sua inclusão ou não no espaço educativo. Mas será que esta disputa fará sentido? Afinal a educação artística justifica-se por si mesma, e a sua relevância radica-se no carácter criativo do Homem.
Aquilo que é, com efeito, indispensável é trabalhar, no sentido de tornar visíveis os contributos da educação artística para a sociedade. Não basta argumentar que a convivência com as artes estimula a interdisciplinaridade, a tomada de decisões, motiva para uma aprendizagem activa, criativa e questionadora. É preciso avaliar de que modo as artes ensinam a trabalhar com o tempo, o espaço, a luz, a cor, o som, o corpo, os recursos financeiros, os meios de comunicação social, as tecnologias, os diferentes materiais. É preciso estudar de que forma as artes potencializam as capacidades de trabalhar em equipa, de planeamento, de negociação, de liderança, de comunicação, de gestão de conflitos e a criatividade.
Porque estes são os novos paradigmas que se colocam ao Homem do século XXI. Não basta afirmar que os conhecimentos, os valores, as atitudes e as competências artísticas são o fundamental. O professor de artes, neste momento, tem de encontrar novas formas de aprender e de dar a conhecer o processo criativo e centrar-se na ideia de que a educação artística hoje é uma educação para a vida.
Esta é a razão pela qual, esta componente educativa tem de ser desenvolvida de forma tão aprofundada como as restantes – porque são as artes que possibilitam a aquisição das competências específicas e favorecem o relacionamento entre as componentes educativas e entre as artes e as culturas – e a escola moderna tem de ter consciência de que o ser humano que não conhecer as artes tem uma experiência de aprendizagem limitada.
3. Uma vez que a pós-modernidade instaurou novos modos de entendimento das artes, nomeadamente no domínio da interpretação das criações artísticas enquanto representações de significados dependentes da compreensão dos códigos simbólicos, das convenções culturais e dos contextos de origem, os professores de artes devem privilegiar o trabalho de relacionamento das artes e das culturas e, conduzir as práticas pedagógicas de modo a demonstrar que os objectos estéticos se inscrevem dentro de sistemas simbólicos culturais amplos e não podem ser considerados como criações autónomas.
Nesse contexto, um dos paradigmas que se coloca aos professores de artes é o conceito de cultura. Este domínio inclui práticas e acções sociais, crenças, comportamentos, valores, instituições e regras morais que identificam uma sociedade. É a cultura que explica e dá sentido à cosmologia social, visto ser a identidade própria de um grupo humano num determinado espaço e tempo. No entanto, uma das grandes dificuldades em definir o que é exactamente cultura, advém do facto de a cultura não ser algo palpável, mas sim uma ideia, produto do pensamento do Homem e que permite a produção e a troca de significados, tais como a verdade, a imaginação, a ciência ou o senso comum, e se concretiza de modos diversos, entre os quais, nas artes.
De facto, é nas artes que se concretiza a representação simbólica dos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo social, o modo de vida, o sistema de valores, as tradições e as crenças. São as artes que propagam os significados que não podem ser transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem, por isso é que não se pode conhecer um país sem entender a sua cultura.
E na medida em que é a cultura que determina o comportamento do homem e justifica as suas acções, é fundamental a preservação da variedade e da identidade cultural para que não se percam modos de estar e de ser. Nesta perspectiva, a educação artística apresenta-se como um factor de estímulo da consciência cultural do indivíduo, e pode ser um poderoso instrumento de afirmação da singularidade na diversidade, dado que, recorrendo a práticas que podem ser entendidas como transgressoras e críticas, permite a dialéctica, é emancipadora e inclusiva.
Contudo, a educação artística, tal como se ensina agora nas escolas, sustenta-se em concepções culturais do mundo ocidental e reflecte padrões morais, políticos e intelectuais, mais ou menos tradicionais, questionados hoje pela sociedade contemporânea com perspectivas plurais. Essa é, pois, uma advertência para a indispensabilidade de transformar a educação artística num lugar privilegiado de reorganização da escola, abrangendo os diálogos entre as diferentes culturas e perspectivando novos modelos de desenvolvimento.
E porque a salvaguarda da diversidade cultural deve ser um dos objectivos da educação interessada no desenvolvimento cultural, os pedagogos defendem que os processos artísticos operam dentro de paradigmas culturais, formam e são formados por valores culturais e sociais aceites em determinados contextos, e procuram nas suas práticas agir criticamente conhecendo as artes, a sua História e os modelos subjacentes às criações artísticas.
Outra preocupação é o reconhecimento do valor de relacionar as práticas em artes no quotidiano das escolas com o mundo da arte e da cultura pós-modernas. Confrontar a arte do passado e a do presente. E promover as relações ente a arte nas escolas com o mundo da arte contemporânea, o que significa uma assumpção do pós-modernismo, que convida à construção social do conhecimento, da realidade e dos valores sociais, ao reconhecimento das múltiplas versões da realidade, as muitas vozes sobre a verdade e as distintas concepções sobre arte e sobre valores artísticos. Obviamente que estas atitudes implicam compreender a arte nos seus contextos de origem, dentro do paradigma sociocultural.
4. O conhecimento é sempre construído socialmente, dai ser subjectivo, estar impregnado de valores e ser decorrente dos interesses de poderes. Porém, se o professor de artes conseguir aumentar a percepção estética e a sensibilidade, a educação artística pode ajudar a incrementar uma teoria de identidade cultural colectiva, a par da noção da existência de diferentes identidades e contribuir para uma afirmação cultural transnacional, sem que haja um esvaziamento das diferenças nacionais.
Para que isto ocorra, as práticas pedagógicas deverão sustentar-se na reflexão sobre os contextos culturais e sociais em que as escolas estão inseridas, devendo, para o efeito, os educadores assumir um papel transformador, questionando sobre o que ensinar e como ensinar naquela escola, transformando cada escola num espaço singular, detentor de uma forma de conhecimento, de práticas de linguagem, de relações e de valores sociais que são selecções e exclusões de uma cultura mais ampla, contribuindo para a concepção de um projecto educativo ajustado ao contexto.
E porque as escolas não são locais neutros, os projectos educativos e curriculares devem visar, através das aprendizagens, desenvolver o intelecto, a imaginação e o pensamento crítico – determinante para permitir que os alunos se apropriem das suas histórias, questionem as suas biografias e sistemas de significados e percebam quais as forças que circunscrevem as suas vidas – de forma que, futuramente, as crianças e os jovens saibam como agir fora do espaço da escola.
As artes são um dos instrumentos fundamentais para os indivíduos, dado que permitem a tomada de consciência de que há sempre mais do que uma solução para a resolução de um problema e mais do que uma resposta para uma pergunta. Desta forma, a educação artística deverá ser um polo de dinamização da sensibilidade estética e da promoção das várias expressões, no âmbito da comunicação humana, cultivando os vários talentos e respeitando a sua multiplicidade.
Na medida em que a escola é o primeiro espaço formal que acolhe todos os indivíduos, este é o local privilegiado para o contacto sistematizado com as artes e suas linguagens, por esta razão, e apesar de ser evidente, com muita frequência, a desvalorização da educação artística por parte de alguns actores sociais, muitas boas práticas têm sido desenvolvidas. A verdade é que, aos poucos, os pedagogos reconheceram a capacidade transformadora da arte e estão a aceitar que o saber e o fazer artístico, bem como a fruição estética são contributos valiosos para a sociedade.
Mas é necessário que o ensino das artes na escola esteja em consonância com a contemporaneidade. Daí que a sala de aula deva ser um espelho do ateliê do pintor, do estúdio do bailarino, do trabalho no teatro ou na orquestra ou do laboratório do cientista, onde são desenvolvidas investigações e onde, de uma forma activa, o processo criativo é visível. A pós-modernidade implica, portanto, que a procura e a construção do conhecimento sejam valores fundamentais tanto para o docente como para o aluno.
Estas novas práticas pedagógicas poderão estimular as crianças e os jovens a reconhecerem-se como participantes e construtores num processo dinâmico que oscila entre o sentir, o pensar e o agir – a partir de experiências vividas, múltiplas e diversas – e permitirá que, ao longo do processo de aprendizagem, haja uma constante avaliação, sejam feitos reajustes e promovida a interacção entre o conhecimento e a prática relacionando-as com a História, as sociedades e as culturas.
A escola poderá utilizar, certamente com sucesso, as experiências positivas que têm sido realizadas ultimamente em muitos espaços de educação informal, trazendo as práticas dos laboratórios de artes e dos ateliês para a sua estrutura. Esta será a possibilidade de garantir a igualdade de participação, a construção de saberes, a compreensão do que se faz no país e no mundo, e a resposta para a formação de cidadãos com competência estética, capazes de dialogar com os códigos e de reconhecer as semelhanças e as diferenças dos diversos contextos culturais.
É importante, pois, que a educação compreenda que as artes são áreas do saber e disciplinas com origem, história, questões e metodologia. E ainda que, tal como nos outros domínios do conhecimento, não há uma homogeneidade entre as abordagens, à excepção dos pressupostos mais abrangentes. Assim, no domínio da educação artística poderão ser realizadas experiências e práticas muito diferenciadas.
A resposta aos novos paradigmas da educação está, portanto, na capacidade de fazer uma revisão sobre o que se entende hoje como arte, como cultura, e principalmente sobre as finalidades da educação nestes tempos pós-modernos. A capacidade de rever os esquemas mentais e de construir novos modelos de abordar a educação artística no espaço curricular constitui um dos maiores desafios que se apresenta.
Só deste modo a educação artística poderá consolidar a sua posição no currículo e constituir-se como um poderoso instrumento para revitalizar e resgatar a identidade, a diversidade e as singularidades culturais, na medida em que as práticas pedagógicas se poderão organizar de um modo intercultural e crítico, contribuindo para uma verdadeira educação para a cidadania, entendida como um exercício compartilhado, democrático e que considera a diversidade.
Teresa André

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