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sábado, 6 de julho de 2013

Ninguém afiança que esteja vivo… Só o cangalheiro…

Desenho de Magda Hernández
Ao segundo dia do mês de Julho de 2013 faleceu, inesperadamente, o XIX Governo. Este Governo, ainda jovem e na flor da idade, caiu inanimado no meio do chão sem que ninguém suspeitasse do que se tratava. Tendo em conta a digníssima importância do XIX Governo, o corpo foi enviado para autópsia no Instituto de Medicina Legal para exame aturado e urgente. Publicamos, em rigoroso exclusivo, o relatório da autópsia. 
Pedro Almeida Cabral
1. Doenças pré-existentes
O corpo do XIX Governo apresentava à primeira vista um perfil atlético, destacando-se uma dentição imaculadamente branca. No entanto, as análises efectuadas comprovaram que nos últimos meses de vida se verificou uma má circulação do sangue, tendo ocorrido um fluxo normal apenas nos membros superiores. Os membros inferiores tiveram pouca ou nenhuma utilização. Parece evidente que o XIX Governo padecia de um sedentarismo grave. Duvida-se mesmo que o XIX Governo tenha caminhado mais de 100 metros nos últimos meses.
Há também sinais de obesidade mórbida. Foram encontrados vestígios químicos de sibutramina nas raízes dos cabelos. Trata-se de uma prova que o XIX Governo consumia inibidores de gorduras. Mas o número e a intensidade dos vestígios demonstram que estas drogas eram consumidas de forma irregular e tinham exactamente o efeito contrário, fazendo o XIX Governo aumentar todos os meses. Este aumento originou novos vasos capilares que se expandiram com rapidez para fora do corpo do Governo, nomeadamente para alguns apêndices, como empresas públicas ou até empresas públicas de outros países.
2. Causa da morte
Após exame completo considerou-se a causa da morte uma falência generalizada dos órgãos vitais com especial destaque para o hemisfério direito do cérebro. Parece que este hemisfério foi gradualmente perdendo comunicação com o corpo do XIX Governo mas, de forma inversamente proporcional, foi aumentando delírios de grandeza. O hemisfério direito chegou mesmo a pensar que podia comandar o corpo uns 15 minutos por dia.
No entanto, na sequência de uma amputação repentina do braço direito do XIX Governo e da colocação imediata de prótese substitutiva, o hemisfério direito apercebeu-se que não comandava nem o braço direito do corpo, nem o braço esquerdo e que o máximo que conseguia era levar o XIX Governo a passear fora do país. Devidamente autorizado pelo corpo do XIX Governo, claro. A partir daí, o hemisfério direito entrou em colapso e os órgãos vitais entraram em crise.   
3. Espasmos
Durante a autópsia, o corpo do XIX Governo teve vários espasmos, o que assustou as estagiárias mais impressionáveis do Instituto. Por mais de uma vez, essas meninas desataram aos gritos a dizer que o XIX Governo estava vivo. Muitos dos espasmos deveram-se ao facto de o hemisfério direito do cérebro se ter tornado num hemisfério parasitário que precisa de um corpo para viver. E este é o que está mais à mão. Ou mais à cabeça. E então o hemisfério direito recusou-se, simplesmente, a aceitar que tudo tinha acabado. Apesar dos espasmos e do cabelo parecer que cresce, o corpo do XIX Governo está a começar a ficar rígido, a adquirir o tom azulado dos cadáveres e o seu odor característico começa a espalhar-se pela sala das autópsias.
4. Reanimação
Não é habitual mas foi tentada a reanimação do cadáver a pedido do Presidente do Instituto de Medicina Legal. O Presidente entrou na sala de autópsias para reconhecer o corpo e não evitou verter umas lágrimas enquanto murmurava "O meu Governo, o meu Governo...". A pedido do Presidente, foram aplicadas algumas técnicas de reanimação como choques eléctricos e substituição de órgãos. Tudo sem sucesso.
5. Doação à ciência médica
O corpo do XIX Governo e demais componentes como membros amputados, próteses ou hemisférios cerebrais serão agora doados à ciência médica para serem estudados. Só assim poderemos aumentar o nosso conhecimento sobre estes fenómenos em que, no mesmo corpo, há lutas e rivalidades terminais.
Entre tanto boato, há quem diga que o “bicho” não morreu… 
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Só que ninguém garante que esteja vivo a não ser o “dono”, que é cangalheiro, e quer adiar o enterro para quando o tempo arrefecer…

Ecos da blogosfera – 6 jul.

Uma Liga Europa com equipas de escalões diferentes?

A construção de uma frente latina que possa dar resposta aos seus poderosos vizinhos do Norte, liderados pela Alemanha, peca por simplismo como solução perante a crise e remete para os nacionalismos da Velha Europa, defende o escritor Javier Cercas.
É um facto: de há uns tempos para cá, o euroceticismo corrói a Europa. No Reino Unido, Cameron promete, para 2017, um referendo sobre a continuação do país na UE; em Itália, Beppe Grillo propõe sair do euro; em França, Le Pen também pede um referendo sobre o abandono do euro e da UE; mesmo em países como o nosso, até há pouco tempo fortemente europeístas, se nota que a fé nos benefícios de uma Europa unida começa a abrir fendas.
É discutível se este descontentamento geral diz respeito à ideia de uma Europa unida ou, simplesmente, à forma como a Europa se está a unir, mas a verdade é que o fenómeno existe, e está a crescer. É extraordinário: há pouco mais de 10 anos, quando estreámos o euro e a crise económica ainda nem sequer espreitava, era uma verdade quase indiscutível que a UE iria ser a grande potência do século XXI e toda a gente queria fazer parte dela; agora, acontece exatamente o contrário.
A crise económica ameaça liquidar a melhor ideia política que nós, europeus, tivemos na nossa história. É verdade que esta crise não é económica (ou não só), mas política, sobretudo, e também é verdade que, na sua origem, não é uma crise europeia.
Tanto faz: o que importa é que cada vez mais europeus responsabilizam a Europa pela má situação; de certo modo é lógico: de momento, nada alivia tanto como atribuir as culpas da própria desgraça ao outro e, da mesma maneira que nós, catalães, descobrimos que é ótimo culpar a Espanha por todo o mal (porque assim não temos de nos responsabilizar nós por eles), os europeus estão a descobrir que é fantástico fazerem o mesmo com a Europa unida.
Uma união latina
Perante este panorama, algumas cabeças bem pensantes estão a tentar urdir alternativas à atual UE; o último a fazê-lo (ou o penúltimo) foi Giorgio Agamben. Num artigo publicado em La Repubblica [e noLibération], Agamben lamentava que a atual UE se tenha formado apenas sobre uma base económica e ignorando os parentescos culturais; segundo ele, esta opção estaria a mostrar agora a sua fragilidade, sobretudo sob o ponto de vista económico: a pretendida unidade resumiu-se a acentuar as diferenças, impondo a uma maioria mais pobre os interesses de uma minoria mais rica, muitas vezes coincidentes com os de uma única nação (Alemanha).
Agamben procura uma alternativa a este suposto erro numa ideia cunhada em 1947 por Alexander Kojève: a ideia de uma união latina, uma comunidade encabeçada pela França que unisse política e economicamente as 3 grandes nações latinas (França, Itália e Espanha), aparentadas pelas formas de vida, de cultura e de religião. Escreve Agamben: “Não tem lógica pedir a um grego ou italiano que viva como um alemão; mas mesmo que fosse possível, isto levaria ao desaparecimento de um património cultural e de uma forma de vida”.
O risco do nacionalismo
O diagnóstico de Agamben parece-me, em parte, acertado; a solução, completamente errada. É verdade que a Alemanha está a impor uma Europa só de acordo com os seus interesses e, afinal, injusta. Mas, por um lado, não vejo o que é que resolvemos criando uma Europa pobre unida pela França e uma Europa rica unida pela Alemanha, sobretudo tendo em conta que os recentes grandes males da Europa surgiram do confronto entre a França e a Alemanha.
Por outro lado, é absurdo pensar que a pobre e frágil Europa latina se poderia defender da voracidade irracional dos mercados e proteger, assim, a sua democracia quando, na realidade, tão-pouco o poderia fazer a rica e forte Europa germânica (como também é absurdo pensar que alguma das 2 pudesse lutar sozinha contra a China ou a Índia e impedir, portanto, que a Europa continuasse reduzida à sua irrelevância).
Além do mais, não poderiam os bascos ou os lombardos, nessa hipotética Europa latina, dizer que não faz sentido obrigarem-nos a viver como espanhóis ou italianos e a perderem o seu património cultural? Não deveria ser precisamente uma das maiores forças de uma Europa unida a conquista de uma unidade política e económica sem perda da diversidade cultural, sem que ninguém obrigue ninguém a levar uma forma de vida que não quer? Não assoma no argumento de Agamben a pata do principal inimigo histórico da Europa, o nacionalismo? No fundo, não é a nova Europa de Agamben a velha Europa de sempre? Vocês dirão.

Contramaré… 6 jul.

Novas caras, novas políticas e novo equilíbrio de poderes na coligação, com o CDS a ganhar mais peso para as negociações com Passos Coelho. 
Portas não foi poupado pela maioria dos seus colaboradores mais próximos, quase todos apanhados de surpresa pelo pedido de demissão.
Do lado do PSD, colaboradores próximos de Passos Coelho estavam ontem entre o chocado e o furioso com Paulo Portas, vendo o pedido de demissão como um acto infantil, intempestivo e que não mediu as consequências do risco de um 2.º resgate financeiro.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Esta é (mesmo) uma medida (dura, mas) inevitável…

O PSD tem, pois, obrigação de apresentar de imediato uma moção de confiança na AR e da sua votação retirar consequências, sabendo que a teimosia de um governo minoritário só terá a eventual vantagem de permitir, até ao fim do 1.º resgate, uma recomposição dos protagonistas que a democracia partidária oferece.
José Eduardo Martins
Os dias estavam a melhorar. O Sol saiu, a sardinha engordou, os patrões fizeram greve com os empregados - explicando ao Governo que estávamos preparados para ajudar a concretizar a renegociação do memorando – e a modorra do fim-de-semana ainda incluía uma entrevista do ministro mais popular do Governo, Paulo Macedo.
Nesses dias distantes, o ministro da Saúde demonstrou coisa simples: basta um homem competente, guiado pelos valores da integridade e da fraternidade, para a social-democracia acontecer espontaneamente, mesmo debaixo das barbas de quem a despreza.
Nas suas palavras, a reforma do Estado resume-se a identificar que níveis de despesa social queremos ter e como a podemos financiar. E depois fazer escolhas, enfrentar as margens usurárias dos actores privados envolvidos na prestação pública, reduzir despesas para reduzir impostos, mas fazer dos impostos o estribo das prestações sociais que estão na primeira linha da equidade e coesão social.
É uma entrevista notável que dá valor ao sacrifício que as cartas da autoridade tributária nos exigem. Depois chegou esta semana. Cuja história não é possível conhecer enquanto escrevo, mas que deu cabo dos sacrifícios dos últimos dois anos. Muito dificilmente a consequência deixará de ser um segundo resgate ou alternativa pior, mesmo que o aparente "plano" do primeiro-ministro seja prolongar o estertor.
O nosso pin em Berlim, o Dr. Gaspar que, com o reconhecimento de Passos Coelho, conduziu o governo nos últimos dois anos, não resistiu à soberba, também, na hora da demissão. Lida com atenção, a carta de demissão que maldosamente fez pública é falsa na humildade do reconhecido falhanço injustamente embrulhado na desculpa da falta de confiança que, ao invés, teve em excesso.
Mas isso podia ter ficado só como um apontamento para a história dos dois últimos anos, se o PM tivesse a capacidade de contrariar a altivez da sua natureza. A demissão de Gaspar era, ao mesmo tempo, uma oportunidade para uma mudança de rumo que a sociedade portuguesa queria amparar, para envolver o parceiro de coligação, em suma, para fazer avançar a reforma do Estado que Gaspar confessadamente não quis fazer e que manifestamente Paulo Portas não era capaz de concretizar.
Bastava, com calma, com Paulo Macedo e outros desse calibre, ter começado outro rumo. Nem precisava de briefing. Mas o primeiro-ministro preferiu exibir mando e perdeu. Quis impor Gaspar depois de ele desistir por interposta pessoa. Até pode agora invocar e, pior, estar disso convencido, que é por nós e pelos sacrifícios que fizemos que não desiste. A verdade é mais simples, mesmo se longe da sua vista, não foi capaz de liderar estes tempos…
Agora, estamos no pior dos becos. À hora que escrevo ainda não se percebeu onde vai exactamente o CDS e há quem o queira distinguir de Paulo Portas... Há quem sonhe com um Governo de iniciativa presidencial, com ou sem o amparo de uma eventual revolta no PSD que ajude Cavaco a mudar de protagonistas sem eleições… Com o devido respeito, tudo disparates. Pedro Passos Coelho é e vai ser presidente do PSD nos próximos tempos. Nenhum golpe palaciano resolverá isso, só o tempo do balanço e um novo processo eleitoral. O Presidente perdeu, infelizmente, a força, que agora precisava e, não só não há génios a sair da lâmpada, como a história demonstrou recentemente o mal que as derivas fora do sistema partidário pode causar à democracia.
O PSD tem, pois, obrigação de apresentar de imediato uma moção de confiança na AR e da sua votação retirar consequências, sabendo que a teimosia de um governo minoritário só terá a eventual vantagem de permitir, até ao fim do primeiro resgate, uma recomposição dos protagonistas que a democracia partidária oferece.
Fora disso, por muito que seja legítimo e certeiro temer a alternativa, por muito que nos entristeça ou revolte a garotada que nos fez perder dois anos, só há uma alternativa ao pântano: chamar as pessoas a votar. É a democracia, não vamos encontrar alternativa melhor. 

Ecos da blogosfera – 5 jul.

E que religião tem o criador da crise e os corruptores?

A corrupção é uma das principais razões do fracasso económico dos países da zona euro que estão em dificuldades. Acaso ou coincidência, acontece sobretudo em países eivados pelo catolicismo, uma religião que sempre teve mais tolerância para com a corrupção do que para com os outros pecados.
Oração do corruptor
“Na Europa de hoje, a corrupção é a maior ameaça para a democracia. As pessoas que perdem a confiança no Estado de Direito estão em franco crescimento em todo o continente.” São palavras pronunciadas em janeiro de 2013 pelo secretário-geral do Conselho da Europa, o norueguês Thorbjørn Jagland. É difícil contestá-lo. Especialmente se considerarmos que os países mais corruptos da Europa são quase todos democracias em crise. Ou não são democracias (como é o caso da Rússia de Vladimir Putin, onde a corrupção está avaliada em mais de 20% do PIB).
Portugal. Itália. Grécia. Espanha. As iniciais dos nomes ingleses desses países formam a horrível sigla PIGS (que originalmente incluía também a Irlanda, e se escrevia PIIGS). Esta sigla é usada por certos meios de comunicação, principalmente anglo-saxões, para designar cruamente as economias vulneráveis do Sul da Europa.
Em poucas palavras, as economias responsáveis pela crise da zona euro. Trata-se, obviamente, de uma simplificação. A região industrial da Lombardia não parece ter muito a ver com a região turística do Algarve; uma metrópole mundial como Barcelona parece a anos-luz do caos de Atenas. Mas mesmo assim, há alguma verdade neste acrónimo PIGS. Para lá da crise económica, esses países têm uma coisa em comum: a corrupção da classe dominante. A Milão dos escândalos é realmente muito diferente de Lisboa? O nepotismo da Catalunha não tem realmente nada em comum com a Grécia? Com os jornais do Sul da Europa a citar todos os dias o nome de um novo político acusado de corrupção, as vitórias eleitorais de forças populistas antissistema são assim tão difíceis de entender?
O risco é acabarmos por considerar a corrupção como uma característica cultural de todo o Sul da Europa. E de cair nos estereótipos de alguns tabloides do Norte, descrevendo os povos italiano, grego e espanhol como um bando de preguiçosos que vivem na devassidão e corrupção. E considerando que os PIGS são todos países católicos (à exceção da Grécia, que é ortodoxa), sendo os países menos corruptos do mundo todos protestantes (exceto Singapura), o risco de determinismo cultural ganha uma força inusitada.
Religião e política
“O clientelismo e a cultura política neo-patrimonial são típicos da Europa mediterrânica. Nos países católicos, a religião é um fator importante para explicar o comportamento eleitoral e o funcionamento da cultura política dominante.” Assim explica Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente da secção portuguesa da Transparency International.
“No entanto, não devemos dar demasiada importância à religião em detrimento de outros fatores estruturais que podem influenciar a maneira como as pessoas encaram a corrupção e se comportam em relação a ela. Diz-se que as nações do mundo menos corruptas são protestantes, mas se olharmos para a zona inferior da tabela de classificação, destaca-se a presença de muitos países da África subsariana que foram colonizados por nações protestantes.”
Esta opinião é partilhada por Gianfranco Pasquino, professor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins no centro de Bolonha. “Claro que a religião conta; mas, por exemplo, os católicos de países de maioria protestante não são mais corruptos do que os seus concidadãos luteranos e calvinistas. O que conta é a estrutura geral de cada sistema. Talvez até mais do que a própria religião, um papel importante é desempenhado pela atitude da Igreja face à corrupção. Tolerou-a demasiado tempo, determinando que os pecados sexuais são mais graves do que os associados a dinheiro.”
A honestidade escandinava
Como já dissemos, a Irlanda fez também parte dos países designados pela sigla PIIGS. E foi precisamente nesse país profundamente católico que nasceu uma ideia algo espantosa, para lutar contra o clientelismo e as ligações entre política e finanças: confiar a estrangeiros a gestão dos bancos locais, responsáveis pela crise financeira que atingiu a nação em 2008. Assim, o britânico Matthew Elderfield, ex-diretor da Autoridade Monetária das Bermudas, foi escolhido para chefiar a Autoridade de Supervisão Financeira do Banco Central da Irlanda. Segundo o Financial Times, que publicou um artigo sobre o assunto, “nomear um estrangeiro para um cargo tão importante constitui um grande ponto de viragem para a Irlanda, um país pequeno onde o setor financeiro era dominado por laços familiares, relações políticas e clientelismo”.
Elderfield está em boa companhia. O vice-governador do Banco Central da Irlanda, Stefan Gerlach, é sueco, tal como o economista-chefe Lars Frissell. Dublin achou que era boa ideia usar a imagem dos escandinavos, com reputação de honestidade, para recompor um pouco a imagem ética do sistema bancário arruinado.
Talvez a ideia pudesse ser importada, com alguns melhoramentos, para o Sul da Europa. Podia-se governar a Grécia, as regiões italianas e espanholas através de alguns tecnocratas do Norte. Dinamarca, Finlândia e Suécia situam-se, respetivamente, no 1.º, 2.º e 4.º lugar da classificação da Transparency International. Para eles, é possível existir uma sociedade sem corrupção.
A tese aqui defendida, por um italiano (e talvez por isso), está muito longe de parecer ter uma base científica e argumentação suficiente para retirar tal conclusão. Não vou fazer a antítese, mas voltarei ao tema, que tem importância, para entendermos o mundo em que vivemos e sem recusar motivos religiosos por trás de todo o processo.
Três coisinhas apenas:
Primeiro, os responsáveis pela crise (que não é económica, mas financeira) não são os PIIGS (a crise não nasceu com o euro), mas os Estados Unidos, onde rebentou com a bolha, que por “acaso” são Evangélicos;
Segundo, os países culturalmente católicos (os PIIGS), hoje em dia são constituídos, maioritariamente pelo somatório de cidadãos a que se chama de “católicos não praticantes”, o que descola a “causa” do efeito;
Terceiro, se há países corruptos, tem que haver países corruptores (igualmente classificável como crime) e a perceção que reina nos espíritos dos cidadãos (dos PIIGS) é que são vários países luteranos e calvinistas (há muitos factos recentes…).
Assim sendo, a tese fragiliza-se, sem sequer se poder fazer uma síntese credível.
De registar, para confundir, que cerca de 30% dos países se encontram acima da nota 5 e cerca de 70%, abaixo. Só falta acrescentar a variável “Religião” para se percecionar melhor a “verdadeira” origem desta calamidade, que tem poucos “Bispos” e muitos (in)fiéis…
E para reforço, se tivermos em conta todo a envolvência do processo da “Transparência Internacional”, a credibilidade e o rigor ficam um pouco abaladas, sobretudo se entrarmos com as 5 prioridades, que inverteriam a tabela, como se pode certificar:
A Transparência Internacional (TI) é uma organização não-governamental que tem como principal objetivo a luta contra a corrupção. É conhecida pela produção anual de um relatório no qual se analisam os índices de perceção de corrupção dos países do mundo.
Organização
O órgão central da TI é o secretariado internacional com sede em Berlim, que coordena a ação de aproximadamente 100 capítulos (secções) nacionais. Nasceu na Alemanha em 1993, sob a liderança de Peter Eigen, funcionário aposentado do Banco Mundial.
A missão da TI é estimular mudanças em direção a um mundo livre de corrupção.
A TI definiu 5 prioridades globais na luta contra corrupção: a) corrupção política; b) corrupção em contratos internacionais; c) corrupção no setor privado; d) convenções internacionais para prevenir a corrupção; e) pobreza e desenvolvimento.
A TI não investiga, nem relata casos isolados, desenvolve ferramentas para combater a corrupção e trabalha com outras organizações, empresas e governos para as implantar. A TI é apartidária e constrói parcerias contra a corrupção
Índices
O Índice de Percepção da Corrupção é hoje a mais conhecida e utilizada medição da corrupção em pesquisas científicas. Para formar o índice, empresários e analistas de diversos países são convidados a dar sua opinião sobre o grau de corrupção em cada país. Desta forma, o índice não mede objetivamente a corrupção, mas sim como o conjunto da sociedade percebe subjetivamente a corrupção em cada país.
O índice atribui notas de 0 a 10 em que as notas próximas a 0 indicam elevados níveis de corrupção e as próximas a 10 apontam para baixos níveis de perceção da corrupção.
O índice é criticado por 2 razões principais:
Primeiro, pela influência que a corrupção passada ou o destaque dado pela imprensa a casos isolados pode exercer nas pessoas pesquisadas,
Segundo, a forma de cálculo dificulta que se projetem os índices em séries estatísticas.
Outro índice divulgado pela TI é o índice de países corruptores. Com base em questionário dirigido a milhares de pessoas de diversos países em negócios internacionais, a TI elabora uma lista em que os países exportadores são ordenados de acordo com a maior ou menor alegada propensão de empresas neles sediadas, de pagarem subornos na hora de fazerem negócios no exterior.
Este índice poderá ser criticado pelo facto de as pessoas pesquisadas terem que dar a sua opinião sobre mais de 20 países, já que é possível que os inquiridos não tenham tido experiência com empresas oriundas de todos os países referidos, e que tenham respondido de acordo com uma opinião pessoal subjetiva.

Contramaré… 5 jul.

A nomeação de um chefe de Estado pelo TC tem como finalidade a marcação, pelo nomeado, de novas eleições. Está aberto o caminho para o fim da contestação, que nos últimos dias ficou marcada pelos milhões de egípcios a apelarem, nas ruas, à queda de Morsi, eleito pela Irmandade Muçulmana e a quem acusava de pretender islamizar o país, traindo a ‘Primavera Árabe’ e não resolvendo os problemas económicos do povo.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Somos “pequenos” mas ainda assustamos os “Golias”

A crise política que agita Portugal abre um novo período de turbulências para a UE. Enquanto algumas vozes se apressavam a anunciar o fim da crise, outras colocavam a questão do crescimento: como funciona uma austeridade sem relançamento? Sobretudo em países politicamente frágeis.
Ministros que se demitem, um Governo desestabilizado – e a apreensão volta a apoderar-se dos mercados. Quem imaginaria, apenas há algumas semanas atrás, que Portugal iria causar tamanha agitação? Após o desbloqueamento do plano de ajuda financeira de €78 mil milhões, o país era apresentado como um exemplo.
É preciso que se diga que [o Governo de] Lisboa não se poupou a esforços para sanear as finanças, pondo a dieta os funcionários públicos e aplicando corajosamente as reformas exigidas pelas entidades financiadoras.
Mas, por trás da fachada de bom aluno da zona euro, havia enormes fraturas. O plano de consolidação orçamental foi feito à custa de uma forte recessão e a coligação governamental perdeu o apoio da opinião pública. O “desgaste da austeridade” apoderou-se do país. E, agora, ameaça levar a eleições antecipadas e precipitar uma renegociação do programa de ajuda internacional. Com o previsível espetro de uma reestruturação forçada da dívida, ou mesmo do abandono do euro.
Portugal ressuscitou os fantasmas
Deste modo, Portugal vem ressuscitar os fantasmas do outono de 2011 na zona euro, altura em que os investidores consideravam que a Grécia caminhava irreversivelmente para a bancarrota, que a Espanha e a Itália iam também afundar-se e que os bancos europeus estavam a perder a confiança daqueles que os financiam.
E vem ressuscitá-los no pior momento: o nervosismo dos mercados aumentou bastante, depois de os investidores terem tomado consciência de que não podiam contar eternamente com os bancos centrais e com as generosas injeções de liquidez destes, para amortecer o choque da recessão e esconder as insuficiências políticas. Que pode fazer hoje o BCE, além de pressionar os dirigentes europeus para os levar a acelerar as reformas?
Nos últimos 12 meses, os mercados regozijaram-se, com razão, com a ação firme de Mario Draghi para apoiar os bancos – através da concessão de empréstimos de milhares de milhões – e depois os Estados – através do escudo que o programa de compra de dívida soberana representa. Mas os mercados esqueceram-se do essencial: a fragilidade do crescimento e do crédito nos países “periféricos”, o peso das dívidas desses países, que se mantêm a níveis insuportáveis, o desemprego elevado e a instabilidade dos seus governos.
Sobretudo, não tiveram em conta as disparidades entre os países da zona euro, que continuam a ser consideráveis, ou tendem mesmo a aumentar, e que não são sustentáveis a longo prazo. A menos que se admitam novas medidas de mutualização de recursos e novas transferências de soberania. Como é pouco provável que a Alemanha tome qualquer atitude antes das suas eleições legislativas, em setembro, e antes do veredicto do Tribunal de Karlsruhe sobre a legalidade do escudo do BCE, o verão promete ser agitado.
Visto de Madrid - “Retificar é coisa de sábio”
No diário El País, e após a crise política em Portugal, o editorialista Xavier Vidal-Folch continua à espera da “grande retificação” das políticas de austeridade da Europa:
O bom aluno agita-se e apela a uma retificação em grande escala de uma política de austeridade excessiva.
É urgente fazê-lo, em vez de se proceder “a múltiplas operações de correção, ao sabor de relatórios sucessivos” como temos assistido nos últimos tempos, na Europa, continua Vidal-Folch. Dá como exemplo o segundo resgate grego, em julho de 2011, que implicou uma reestruturação da dívida e a melhoria das condições do empréstimo a Atenas. Mas também a decisão do Ecofin, de 21 de junho, de prolongar o prazo de reembolso concedido a Portugal e à Irlanda.
O editorialista espanhol cita, por fim, a última decisão do Conselho Europeu, a de 3 de julho sobre o desemprego dos jovens.
Retificar é coisa de sábio. Bravo. O problema é que estas retificações a conta-gotas não são a Grande Retificação exigida pela dupla recessão em curso. […] Se estes ajustamentos tivessem sido tomados em conta desde o início, não teríamos evitado uma parte da recessão, muito do desamor pela Europa e o enorme sofrimento social?

Ecos da blogosfera – 4 jul.

A “Nossa Senhora” não nos deixará cair em tentação…

A demissão, a 2 de julho, do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e a do chefe da diplomacia, Paulo Portas, – recusada pelo primeiro-ministro – abalam seriamente o Governo de Pedro Passos Coelho e põem em causa as reformas negociadas com os credores, salienta a imprensa portuguesa.
“Fim da coligação”, resume, na primeira página, o Diário de Notícias, para o qual “o país perdeu ontem a liderança política na área governativa na configuração saída das eleições de 5 de junho de 2011: uma coligação entre PSD com o CDS”, de Paulo Portas. “Essa maioria”, acrescenta o jornal,
estava politicamente capaz de assegurar a estabilidade e a firmeza políticas necessárias para aplicar medidas tão duras e polémicas como um generalizado aumento de impostos, a privatização de mais empresas públicas e uma difícil reforma do Estado. [...] Fica quebrada a ligação entre o ato eleitoral de há 2 anos com a génese e a legitimação do atual Governo e da atual política executiva.
“Mais do que trágica, a crise política em que o Governo está mergulhado desde segunda-feira, é patética. E não tem saída”, considera, por seu turno, o Público. O jornal, que escreve em título “Portas entala Passos”, afirma claramente que
o Governo morreu, implodido pelas suas contradições internas e pela incompetência de um primeiro-ministro incapaz de o manter coeso. […] Aquilo a que estamos a assistir é ao haraquiri de uma coligação. […] A Europa em pânico com a autodestruição do bom aluno da austeridade terá de aceitar que o caminho das eleições é o único possível. A crise portuguesa terá repercussões pesadas no debate europeu sobre os planos de resgate e reforçará a posição dos que querem deixar os países periféricos entregues a si próprios. A irresponsabilidade de Passos e Portas vai agravar a crise europeia.
“Portugal em risco de um segundo resgate”, diz o título do Jornal de Negócios, que se mostra preocupado com as consequências da crise política. “O que se segue? E como se evita o caos?. Dificilmente. Mas só politicamente”. O diário económico interroga-se:
Têm os partidos políticos do centro capacidade de mobilizar os portugueses em torno de um projeto, se projetos nenhuns têm? […] Esta falência dos partidos políticos moderados está a acontecer em toda a Europa da austeridade, o que compromete o próprio projeto da Europa em si. Mais de metade dos países da União Europeia já tiveram quedas de Governo desde o início da crise das dívidas soberanas. [...] Numa era em que a importância dos ministros dos Negócios Estrangeiros foi substituída pelo domínio dos ministros das Finanças, a maior parte das políticas nacionais não são definidas pelos parlamentos nacionais, antes por instituições europeias das quais apenas o Parlamento é eleito. [...] A solução económica terá de ser sempre europeia, num federalismo necessariamente democrático que avançará com ou contra a Alemanha. Mas em Portugal, o problema não é apenas de uma ou outra liderança partidária. É um problema de regime, que se revela por ora incapaz e em declínio.
Refletindo as preocupações da elite económica do país quanto à hipótese de dissolução do parlamento, o Diário Económico escreve em título: “Empresários e banqueiros recusam eleições antecipadas”. Para este diário económico,
os portugueses vão regressar, nos próximos dias, ao pior dos pesadelos, a um passado com pouco mais de 2 anos, quando o Governo de José Sócrates pediu a ajuda externa. [...] Quem queria eleições antecipadas, vai ver esse desejo cumprido, só faltará agora saber a que preço. Até há 48 horas, Portugal estava a fazer um progressivo regresso aos mercados, assistido é certo, mas não menos importante. [...] Neste caos, quem nos empresta, e a que preço? Ora, com a Grécia a falhar novamente os seus compromissos, com a Alemanha a caminho de eleições, é fácil de imaginar o que os nossos credores, já sem o FMI, nos vão exigir.
“Não será necessária uma nova reestruturação da dívida grega”, afirma a chanceler alemã numa entrevista concedida a 6 diários europeus.
Nessa entrevista conjunta aos jornais Le Monde, La Stampa, El País, Suddeutsche Zettung e The Guardian, por ocasião da conferência sobre o emprego jovem que se realiza em Berlim, a 3 de julho, Angela Merkel acrescenta que “não pode ser uma geração perdida” e que “o problema do desemprego não se pode resolver apenas com dinheiro. Também é preciso fazer reformas”.
Numa altura em que nos aproximamos (mais) da Grécia, que cai e se “levanta” e torna a cair, conforme os media e os press release que as instituições europeias e os Mercados lhes distribuem, andam os nossos comentadores políticos (que nunca acertaram uma e agora ainda menos) e economistas dependentes (que nunca acertaram uma e agora ainda menos) a apregoar que vai ser uma tragédia, repetindo aquele refrão da cassete já gasta, de que “não vai haver dinheiro para os funcionários públicos e pensionistas”, enquanto a Nossa Senhora vai dizendo (agora e por enquanto) aos gregos, que não se preocupem (mais?) com o dinheiro (é o que mais há, nos países errados) e que não se pode perder uma geração (as outras que se lixem), mas que é preciso fazer reformas, ou seja, é preciso despedir…
Por outro lado… passando as culpas ao FMI:
Anda alguma gentinha a brincar (até setembro) com toda a gente…

Contramaré… 4 jul.

A Comissão Europeia não exclui cenário de adiamento da 8.ª avaliação da “troika”, o porta-voz prefere sublinhar que ainda é cedo para pensar nisso. O presidente do executivo comunitário apela a solução que garanta que sacrifícios dos portugueses não foram em vão.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O guião e vários atos de quem cuspiu 2 anos no povo

Há 2 semanas, Vítor Gaspar telefonou a Passos Coelho a exigir a saída rápida e irrevogável do Governo. O então ministro das Finanças tinha acabado de chegar a casa depois de uma atribulada visita a um supermercado.
Gaspar, acompanhado pela mulher, resolveu deslocar-se sem segurança a um supermercado. O ministro foi reconhecido, na fila para as caixas, pelos clientes do supermercado, e a situação descontrolou-se. Entre comentários exaltados e insultos, a segurança do estabelecimento foi obrigada a intervir e a escoltar o ministro, sem conseguir evitar cuspidelas insultos e tentativas de agressão.
Vítor Gaspar apresentou oficialmente a demissão na segunda-feira, 1 de Julho.
No dia seguinte, foi a vez de Paulo Portas.
Esta é a abertura do guião da “Reforma do Estado”, mas da autoria de Vítor Gaspar, que não gostou do desenho original de Paulo Portas, mais ao estilo do Teatro de Revista (à portuguesa), escrita por um estrangeirado…
Afinal a carta de demissão da 2.ª figura do executivo, queria apenas traduzir, por palavras bonitas, esta reação às cuspidelas, mais do que justificadas, do povo anónimo e que veio tarde. Se Gaspar é inteligente devia ter previsto (falhou mais esta previsão). Se Gaspar é um bem-disposto devia saber que o povo não acha graça ao seu tipo de humor (porco), cuspindo tantas vezes na alma de (quase) todos os portugueses…
Gaspar ficou assim a dever o enorme investimento que o país fez na sua pessoa e ainda hipotecou mais o nosso futuro.
Claro que a designação da nova “ministra” foi uma provocação pura, não só a Portas, mas também a todos os portugueses que assistiam à Revista “As swaps do nosso endividamento”, com Maria Luís como protagonista, o que dando razão ao nosso descontentamento, não é tão justificativa para um parceiro do governo, que ao pedir a demissão traz riscos associados, sobretudo para os cidadãos, já fartos de serem figurantes (lixados e mal pagos) destes figurantes…
Para poluir mais o ambiente da “comunidade política” e apimentar o enredo, nada melhor do que Passos Coelho se reunir com o (encenador) Presidente da República, omitindo-lhe o pedido de demissão de Portas e jurar “por as mãos no fogo” pela senhora que se seguia…
Nos entretantos, Cavaco Silva foi disparando contra a oposição, convidando-a a apresentar um Moção de Censura, num (re)confirmado apoio ao seu governo “presidencial”…
E, “inocentemente”, o PR deu posse a uma ministra de um governo fantasma(górico)… E quando caiu em si, sabendo que o governo tinha “caído”, sem saber porquê, ficou à espera, sentado, que um coelhinho saísse da cartola do Coelho, que afinal foi um valente “frango”…
A decisão (não) esperada de Passos (que estava à beira do abismo) foi dar um passo em frente, recusando demitir-se, apesar da admiração por Relvas e Gaspar (não lhes seguiu o exemplo) e garantindo que não abandonaria o país (como aconselhou os seus concidadãos desempregados), por não ter medo de umas simples cuspidelas, de tão habituado a estar rodeado de “escarros”…
Mas o que parece ser o fio condutor deste guião, é o (eventual) problema de um 2.º pedido de empréstimo, para tornar a pagar as asneiras de mais uns fedelhos, que será o apoteótico último ato.
E Passos, de tão baratinado que está (nem vê a parede nem o abismo) já nem sabia se ia ou não falar com a sua precetora alemã, por lhe faltar a coragem que tem com os “tugas”…
É evidente, que Cavaco Silva (o homem e Presidente da República) é corresponsável por esta bagunça, quando “presidencializou” este governo, ao insistir para Gaspar não sair, provavelmente porque não foi informado (mais uma vez) da cuspidela de que tinha sido vítima e por isso tem que prometer ir a Fátima a pé (ouvida a esposa), se a novela tiver um final feliz…
E foi por tudo isto que a PGR arquivou o processo de MST, obviamente!
O guião terá novos capítulos, uns a puxar para o sangue, outros a puxar para o circo…
O bilhete pagamos nós (outra vez)!

Ecos da blogosfera – 3 jul.

Temos “direito ao esquecimento”… e não sabíamos?

O recente escândalo de espionagem na Web pelos serviços secretos dos Estados Unidos veio sublinhar a necessidade urgente de reforma das regras da União Europeia em matéria de dados pessoais, há anos em discussão. Uma questão sobre a qual as associações de consumidores e os grupos de pressão dos gigantes da Internet se defrontam.
Raramente se viu desencadear uma torrente de paixões tão forte como a que acompanha o projeto de reforma da política europeia sobre dados pessoais. Por um lado, as ONG e associações de internautas colam fotos de homens em pelota em postais carimbados “Cidadãos expostos”, para defender a proteção da privacidade no ciberespaço, apelando a que os nossos deputados sejam bombardeados com eles, para os mantermos afastados dos grupos de pressão.
Do outro lado, as mais poderosas empresas da Web lastimam-se, pedindo mais “flexibilidade” para trabalhar os dados privados de milhões de utilizadores. Pelo meio, arquivistas e genealogistas agitam a sua bandeirinha, temendo que o princípio do direito ao esquecimento comprometa a memória coletiva.
Trata-se de um desafio de grandes repercussões: a reforma em estudo irá substituir a diretiva europeia que rege os dados pessoais, votada – como indica o seu código, “95/46/CE” – em 1995. A paisagem digital mudou muito desde então, tornando-se particularmente obsoleta a disposição do “consentimento inequívoco” dos indivíduos, a condicionar a recolha dos seus dados. “Inequívoco” quer dizer o quê”?
Fantasias inimagináveis das empresas
O grupo de trabalho G-29, que reúne representantes de todas as CNIL – comissões nacionais de Informática e Liberdades – europeias, trabalhou sobre a questão em 2011. Concluiu que essa palavra vaga “é muitas vezes mal interpretada ou simplesmente ignorada”, permitindo quase todas as fantasias imagináveis por parte das empresas: pode ser “uma assinatura por escrito, mas também uma declaração oral, ou um comportamento que permita concluir razoavelmente que implica consentimento”.
O G29 dá o exemplo de um serviço telefónico que fornece o estado do tempo da cidade de onde telefonam os seus utilizadores: se estes conhecem o princípio de funcionamento do serviço e se mesmo assim ligam voluntariamente, pode-se concluir que concordam que a empresa recolha informações sobre a sua localização. É a mesma lógica da Amazon, que sugere aos utilizadores a compra de “produtos similares” aos que já consultaram no site: perante estas sugestões, os utilizadores deveriam perceber que o seu histórico de navegação é gravado; logo, se se mantêm na Amazon.com, é porque não têm nenhuma objeção a isso. O “consentimento” dos internautas está a transformar-se aos poucos numa “ausência de recusa”.
A reforma integral da diretiva foi concebida para dar aos cidadãos o controlo efetivo dos seus dados. Primeiro, consagrando finalmente o princípio do “direito ao esquecimento”, tão reivindicado nos últimos anos. Em segundo lugar e mais importante, instaurando o retorno da palavra “explícito” ao lado do termo “consentimento”. Uma pequena palavra que tem uma enorme quantidade de inimigos. Já considerada e depois eliminada em 1995, voltou à mesa para caracterizar a forma como uma “pessoa envolvida concorda, por meio de uma declaração ou de um ato positivo unívoco, que dados de caráter pessoal que lhe dizem respeito sejam objeto de processamento”.
Uma inundação de “pop-ups”
Na prática, pode ser uma pequena bula, como a que já utilizam os navegadores Firefox e Chrome, quando se visita um site em que há necessidade de se fazer geolocalização. Pode-se, então, optar por permitir que o site recolha essa informação apenas na visita em curso, em todas as futuras visitas... ou nunca e para todo o sempre. Imagine-se uma mensagem “pop-up” no YouTube a pedir autorização para pesquisar o nosso histórico de navegação, antes de nos propor vídeos de gatinhos fofos.
Imaginemos o Facebook a avisar-nos de que o número de telemóvel que acabamos de lhe proporcionar para “reforçar a segurança da [nossa] conta” pode ser enviado para os programadores do Farmville. Sonhamos com “banners” bloqueados até darmos autorização para sermos classificados em classes de idade, sexo, residência e marcas favoritas de fatos de banho.
Que horror!, essa “inundação” de “pop-ups” acabaria por confundir os utilizadores, exclamam Facebook, Amazon, Microsoft, Google e eBay, que temem que o consentimento explícito sistemático “excessivamente rígido e formal” dificulte a sua capacidade de “inovar” (não podem inovar com o consentimento dos clientes?). Este bando alegre pediu tão insistentemente aos deputados para renunciarem ao consentimento explícito, que o texto votado pela comissão para as “liberdades civis” do Parlamento Europeu, em 29 de maio, incorporou múltiplas alterações, por vezes copiadas na íntegra de propostas dos grupos de pressão...
A pressão das empresas, tão intensa que 18 ONG norte-americanas acabaram por exigir solenemente que os Estados Unidos deixassem de intervir na legislação europeia, tem óbvias motivações económicas. “Os gigantes da Internet temem que mais controlo dos utilizadores reduza a quantidade de dados que processam”, explica a associação francesa Quadrature du Net. E os seus argumentos são atendidos. Considerando que o projeto é demasiado penalizador para as PME (e muito vago e sensível, por outro lado), os deputados europeus acabam de retocar o texto, adiando um debate mais aprofundado para 2014. Até lá, os gigantes da Web terão tempo para coligir um belo pacote de dados pessoais.