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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sermão aos “bispos” que pregam a iniciativa pessoal

Sir Richard Branson proclamou 2014 “O Ano do Empreendedor”. A cobertura é abundante e imparável: histórias sexy de jovens e velhos que romperam as grilhetas e começaram os seus próprios negócios. Só falam de “adeus cubículo” e “olá liberdade, vitalidade, criatividade”.
Morra Aarons-Mele
Alimentada por uma cobertura da comunicação social, online ou não, de um estilo de vida idealizado, esta “pornografia do empreendedorismo” apresenta uma realidade retocada em que todo o trabalho é sempre significativo, e dirigir o seu próprio negócio é a maneira de conseguir uma melhor harmonia entre o trabalho e a vida pessoal.
Porém, a realidade de iniciar e dirigir pequenos negócios é diferente da fantasia – e posso dizê-lo, porque dirijo um e sou casada com um empreendedor. Começar uma empresa não significa libertar-se da rotina, mas sim que as responsabilidades são todas suas, mesmo que seja domingo de manhã ou sexta-feira à noite.
Além disso, não é possível que cada jovem licenciado inteligente lance a sua própria empresa bem-sucedida. Uma parte de mim tem vontade de chorar sempre que conheço um jovem estudante inteligente e vejo que a noção de se juntar a uma instituição respeitada e já existente não pode competir com a ideia de criar uma.
Muito poucos dos jovens talentosos que tenho conhecido querem trabalhar para algo que já exista. Pelo contrário, querem criar empresas novas. Querem trabalhar de acordo com as suas próprias regras e não seguindo as de um patrão. Em parte, isto pode dever-se à sua juventude, mas uma parte também se deve certamente ao que estes jovens viram: os pais e amigos mais velhos em trabalhos monótonos, sentindo que não são reconhecidos e que são julgados pelos critérios errados. Mulheres que deixam empregos em que ocupam posições de poder depois de terem filhos e reprimem o desejo de serem, ao mesmo tempo, boas mães e boas profissionais, e homens incapazes de exprimirem a sua necessidade de terem uma vida em casa e no trabalho.
Fui para o instituto de pós-graduação para estudar a razão de as pessoas — especialmente as mulheres — abandonarem o mercado de trabalho, e como é que os empregadores as podem ajudar a ficar. Também fui para escapar às minhas próprias lutas com um ambiente corporativo frustrante; deixei 10 empregos antes dos 31 anos. Entretanto, tenho passado horas a entrevistar, tanto especialistas em capital humano, como os homens e as mulheres que deixaram as empresas.
Acabei por suspeitar que a ascensão da “pornografia do empreendedorismo” tem pelo menos tanto a ver com escapar a uma empresa, como com começar uma. A maioria dos americanos não gosta do seu trabalho. Os dados sobre a insatisfação dos americanos relativamente ao trabalho, sobretudo em ambientes corporativos, mostram que:
- 2.000.000 de americanos deixam os seus empregos voluntariamente todos os meses (Bureau of Labor Statistics);
- 74% considerariam hoje arranjar um emprego novo;
- 32% dos empregados procuram um emprego novo;
- Apenas 47,3% dos americanos atualmente empregados estão satisfeitos com a sua posição (Conference Board);
- A maioria dos empregados americanos não está empenhada no seu trabalho (Gallup);
- Os empreendedores têm mais probabilidades de ter uma visão otimista acerca do seu futuro do que outros empregados (Gallup).
A fuga para o empreendedorismo medra num ambiente destes. Um estudo conjunto da INSEAD/Princeton mostra que “As motivações não pecuniárias são mais importantes que as motivações monetárias para as pessoas iniciarem um negócio novo. Uma dessas motivações é a autonomia: as pessoas querem ser o seu próprio patrão. A outra é o preenchimento identitário, que tem mais a ver com as pessoas terem uma visão acerca de um produto ou serviço. Mas os empregadores não lhes dão a liberdade de se desenvolverem dentro da estrutura da empresa. Essa é uma motivação chave”.
Apesar destes desejos nobres, os dados mostram que os lugares de trabalho mais eficazes e com empregados felizes não são necessariamente startups (empresa geralmente recém-criada, em fase de desenvolvimento e pesquisa de mercado). Os critérios que definem um lugar de trabalho feliz são:
Adequação trabalho/vida pessoal;
Autonomia,
Desafios e aprendizagem;
Um clima de respeito e confiança;
Apoio do supervisor nas tarefas e
Segurança financeira.
Nada disto me parece próprio dos “pequenos negócios”.
Quanto mais tempo continuar esta fantasia e os media continuarem a publicar em profusão a “pornografia do empreendedorismo”, mais fracas se tornam as nossas instituições estabelecidas. Os dados sobre a criação de locais de trabalho eficazes são claros e podem, basicamente, resumir-se a alguns princípios simples:
Criar um ambiente que trate os empregados como adultos;
Concentrar-se na responsabilidade, não nas interações;
Permitir aos homens e mulheres que vivam vidas completas.
Um bom amigo que dirige uma empresa de serviços profissionais disse-me com alguma surpresa que o seu empregado mais rentável é uma mãe solteira que trabalha a meio tempo. Este ano recebeu um grande bónus. Apesar de trabalhar para outra pessoa, sente-se reconhecida e recompensada. E, sendo parte de uma organização mais vasta, consegue ter mais tempo para os filhos. Este género de história não é comum – nem tem de ser.
O empreendedorismo pode ser sempre uma história sexy para os meios de comunicação social contarem, mas as nossas necessidades enquanto trabalhadores são muito mais que as startups que são o espírito do nosso tempo. Não podemos todos começar o próximo Facebook, mas todos merecemos uma vida de trabalho que reconheça a nossa diligência e as nossas contribuições únicas. E se 2014 pudesse ser o “ano de trabalhar por conta de outrem — e adorar”?
Morra Aarons-Mele é a fundadora de Women Online e de The Mission List. É "marketeer" de Internet e trabalha com a projeção de mulheres na web desde 1999. Ajudou Hillary Clinton a iniciar sessão no seu primeiro chat online e lançou o 1.º blogue da Wal-Mart.
Nos dias que correm, falar de satisfação no trabalho é quase pornográfico, é quase como assistir a programas de culinária requintada nestes tempos de austeridade e de fome.
E como refere a articulista, aos 31 anos de idade, ter passado por 10 empregos é coisa do passado, embora recente, quando milhões de cidadãos, hoje, com essa idade não conseguem encontrar o primeiro…
A virtude do tema é desmascarar o discurso insistentemente badalado do empreendedorismo, como se fosse possível que todos fossemos capazes de o ser, para sobreviver, ainda mais com o mercado interno reduzido e como se a absorção de todos os empreendedores resolvesse o problema do número gigantesco de desempregados, através de microempresas...
Eu até diria que o fundo do problema é mesmo considerar-se as pessoas que trabalham, como capital humano… O que é que é isso? Capital é capital e humanos são humanos…
O que faz falta é que os donos do capital sejam empreendedores sociais e criem empregos para os seus pares, humanos… Porque sem dinheiro, tudo o resto é marketing político-pornográfico…

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