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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Quem diz que a Justiça não funciona e que é lenta? Et voilà!

Reformados são cada vez mais chamados a pagarem dívidas por serem fiadores de familiares.
Os casos de sobreendividamento, os efeitos da austeridade e as dívidas para cobrança executiva que acabam por entrar nos tribunais levaram, no ano passado, à penhora de mais de 181.000 reformas, um aumento de 24% face a 2012.
Os credores conseguiram recuperar mais de 45 milhões de euros, numa média mensal de cerca de 15.100 reformas penhoradas, revelam dados cedidos da Câmara dos Solicitadores.
Mais 240.000 processos deram entrada desde 2013 até Abril deste ano.
A acção executiva (cobrança de dívidas pela via judicial) tem sido considerada o grande cancro da justiça e também um dos entraves ao desenvolvimento da economia portuguesa. A Câmara dos Solicitadores revelou que, em 2013, as dívidas para cobrança judicial atingiram 5.600 milhões de euros, referentes a 201.000 processos executivos que deram entrada nos tribunais. Entre Janeiro e 9 de Abril deste ano, juntaram-se mais 38.924 processos, num valor de 1.600 milhões de euros. Contas feitas, estão por cobrar nos tribunais portugueses 7.200 milhões de euros. Qualquer coisa como 4,3% do PIB.
O fiscalista Samuel Almeida faz a análise da evolução das penhoras de pensões.
O fenómeno de penhora de reformas vai acentuar-se este ano e nos próximos anos?
A penhora deste tipo de rendimentos coloca problemas sociais graves, desde logo porquanto pode colocar em causa a subsistência destas famílias.
Por outro lado denota um esgotamento/inexistência de outros bens penhoráveis, como seja casas, rendas, veículos, etc. No limite, com o desemprego e endividamento, muitas famílias apenas têm como rendimento penhorável este tipo de prestações públicas. É possível que esta situação perdure e se agrave enquanto a situação económica e social do país não melhore.
Já não bastavam os assaltos às pensões dos reformados para os castigar por terem contribuído para o enriquecimento, muito ou pouco, do seu país, na proporção dos seus salários, para pagarem dívidas de bancos e fraudes de pessoas com nome e morada, para serem duplamente penalizados com as dívidas de familiares, por serem seus fiadores e estes terem caído nas armadilhas de um sistema antropofágico!
Para quem acusa e defende que a ação executiva (cobrança de dívidas pela via judicial) tem sido considerada o grande cancro da justiça e um dos entraves ao desenvolvimento da economia portuguesa, cá está um exemplo de que nem todos têm razão, pelo menos quando o assunto se refere ao mexilhão…
Contra o ditado, a razão e a verdadeira Justiça: “Dos fracos rezará a História”…
O que acontece a quem não paga uma dívida? Na Idade Média o credor podia ordenar a prisão de familiares do devedor – a mulher, os filhos – até que as dívidas fossem pagas.
Bruno Faria Lopes
As condições nas celas eram terríveis e, por vezes, o “colateral” morria de doença ou de agressões antes de o devedor cumprir a dívida. Com sorte, o devedor podia pagar a dívida com o seu trabalho, ficando servo do credor – ou, na linguagem técnica actual, que não existe por acaso, ao “serviço da dívida”.
A privação da liberdade devido a dívidas – em prisões específicas para endividados – continuou a ser prática comum até meados do século XIX. Já o conceito de dívida enquanto privação de liberdade está bem vivo. Uma busca rápida pelo Google permite perceber que ainda hoje, nos Estados Unidos, são frequentes os casos de pessoas presas por não pagarem dívidas.
E a versão moderna do pagamento da dívida com o fruto do trabalho tem um nome: penhora. Em Portugal, como tem revelado o Diário Económico (ver texto da jornalista Lígia Simões nas páginas 10 e 11), as penhoras estão em alta. São cada vez mais os pensionistas com reformas penhoradas, os trabalhadores com salários penhorados. Nem as prestações sociais, como subsídios de maternidade, escapam. A penhora tem hoje regras que a separam da selvajaria do passado – grosso modo, só pode ser penhorado até 1/3 do salário ou da pensão e o que sobra não pode ficar abaixo do salário mínimo –, mas continua a ser uma arma antiga do credor (que avalia o risco e cobra juros e é, assim, também responsável pela relação de crédito).
No debate sobre perdões de dívida – ou “reestruturações” – a dívida privada ainda é um tema na sombra da dívida pública. O pagamento das dívidas por particulares já não envolve o sequestro de familiares, a servidão absoluta ou a ida para a prisão. Mas o peso de uma dívida, ou da acumulação de várias, continua a ser um drama diário de grandes proporções para milhares de pessoas.
Ampliada pelo aperto súbito no crédito e, a seguir, pelo impacto das medidas de austeridade, a dificuldade em “servir a dívida” será cada vez maior para mais pessoas, como sugerem os dados publicados nesta edição. A batalha feroz entre devedores e credores na economia portuguesa continuará por muito tempo, aqui e ali reportada pelos media, mas sem chegar ao público uma noção exacta do conjunto. É uma guerra intemporal, agora feita de calotes e de execuções agressivas. É uma guerra que termina, em demasiados casos, numa privação parcial de liberdade, a tal palavra que tanto se ouviu por estes dias de comemoração do 25 de Abril. Esta não é a liberdade de expressão, mas uma parente não menos importante - a liberdade económica. Entre desempregados e sobreendividados há muitos portugueses que, em 2014, não a têm.

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