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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Um testemunho do “azar” dos condenados à pena de morte…

Sherif Elsayed-ali acreditou durante muito tempo que a pena de morte era uma punição legítima para os crimes mais severos. Era uma opinião partilhada por quase todos, no seu Egito natal. Mas a sua opinião mudou, com as dúvidas a transformarem-se numa oposição sólida à pena capital. Aqui explica porquê
Sherif Elsayed-ali
Durante muito tempo, acreditei que a pena de morte era uma punição legítima, apesar de severa, para crimes severos. No Egito, onde cresci, não havia nada de extraordinário nesta opinião. Na verdade, não me recordo de ouvir ninguém a expressar uma opinião diferente até estar já na universidade.
Em grande parte do Médio Oriente e Norte de África, a pena de morte era e continua a ser largamente vista como um castigo legítimo e justo para os crimes mais graves. E a mesma linha de pensamento se aplica a muitos países que mantêm a pena de morte no seu quadro penal.
Anos passados, a minha opinião mudou completamente. Não foi uma mudança repentina, antes levou muitos anos para as minhas dúvidas iniciais crescerem para uma oposição sólida à pena de morte.
Primeiro foi a sua aplicação generalizada. Na década de 1990, houve muitas pessoas condenadas à pena de morte em tribunais militares e tribunais especiais no Egito em relação a uma vaga de ataques terroristas. Sim, foram atos atrozes e tinham de ser punidos, mas estavam assim tantas pessoas envolvidas? E todos os que foram dados como "culpados" eram mesmo culpados ou os seus julgamentos foram injustos?
Se olharmos para o que se passa no mundo inteiro, há uma enorme diferença e variação nos crimes que podem ser punidos com a pena capital. O mais comum são os crimes que resultam na morte de alguém. Mas a pena de morte é também, em alguns países, aplicada a crimes que vão do adultério à violação, à feitiçaria, crimes relacionados com o tráfico de drogas, furto agravado, abjuração, blasfémia, crimes económicos e traição ao Estado.
E até para quem acredita que a pena de morte deve ser o castigo aplicado a crimes hediondos, esta tão grande variedade no âmbito da sua aplicação deve fazer soar sinais de alarme.
Se as pessoas podem ser executadas em nome da justiça por atos que não devem sequer ser considerados crimes, então o imperativo social de os castigar está errado - e mais errado ainda o de lhes impor a pena de morte.
Como é que se pode matar alguém por "adultério"? Ou por "abjuração"? Se estes atos nem sequer são considerados uma ameaça aos cidadãos em tantos países?
Analise-se atentamente e conclui-se que a pena de morte tende a afetar especificamente grupos em desvantagem. Os pobres e as minorias sofrem riscos acrescidos de serem executados. Por exemplo, nos Estados Unidos há cada vez mais provas e cada vez mais claras de que os afro-americanos estão em maior risco de verem ser-lhes proferida a pena de morte - e serem executados - devido à sua raça.
Na Arábia Saudita, um largo número daqueles que foram executados nos anos mais recentes são trabalhadores migrantes oriundos de países pobres e em desenvolvimento - os quais, frequentemente, não têm advogado de defesa e não conseguem compreender os procedimentos judiciais, na sala de tribunal e fora dela, em árabe. A 7 de outubro de 2011 8 homens do Bangladesh foram decapitados por um alegado homicídio cometido em 2007.
Foi-se tornando óbvio para mim que uma punição tão grave é inerentemente problemática - e também porque é desproporcionadamente usada contra aqueles que são menos capazes de se defenderem e aqueles que sofrem de uma discriminação generalizada.
Não há volta a dar ao facto de que a pena de morte é um ato de violência. Será mais violência a forma correta de responder ao crime?
Um dos argumentos mais utilizados para defender o recurso à pena capital é de que esta tem supostamente um efeito dissuasor dos crimes mais graves. Vamos chamar a este argumento aquilo que ele é na verdade: o desejo de algo ser real apesar de improvável e impossível. O facto é que não existem nenhumas provas convincentes de que a pena de morte dissuade a prática de crimes mais do que qualquer outra punição.
As provas são até no sentido oposto. Nos Estados Unidos, a taxa média de homicídio nos estados que recorrem à pena de morte é maior do que naqueles que não têm a pena capital. E no Canadá, mais de 30 anos desde que foi abolida a pena capital, a taxa de homicídio permanece 1/3 mais baixa do que o era em 1976.
Há ainda um estudo, feito ao longo de 35 anos, que compara os dados de Hong Kong, onde não há pena de morte, com Singapura, onde era usada à altura a pena de morte com regularidade e existe sensivelmente a mesma densidade populacional, e concluiu que a pena capital tinha muito baixo impacto nas taxas de crime.
A pena de morte - apesar de não ser única nesta matéria - é um exemplo de como as políticas públicas e os sistemas legais continuam a não ter em conta as provas mais evidentes.
Se, como eu, cresceu a acreditar que a pena de morte é um castigo justo, tenha isto em conta: em 1997, Chiang Kuo-ching, com 21 anos, foi executado pelos crimes de abuso sexual e homicídio de uma criança de 5 anos. Todos concordarão que estes foram crimes horríveis e que merecem o castigo mais severo. Só que, em 2011, Chiang Kuo-ching foi absolvido em julgamento de recurso.
Já era tarde de mais para ele e para a sua família. As execuções são irreversíveis. A pena de morte troça de qualquer sistema de justiça, os quais serão sempre tão falíveis quanto o são os seres humanos.

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