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terça-feira, 8 de julho de 2014

A gestão não é política, mas a política pode passar pela gestão…

O ministro do Saúde diz que a greve dos médicos, marcada para os próximos 2 dias tem motivações políticas e não laborais. A Ordem dos Médicos sustenta pelo contrário que o que está em causa é a defesa do Serviço Nacional de Saúde. Durante os 2 dias de greve estão assegurados apenas os serviços de urgência e emergência.
Agora peguemos na narrativa de um médico (que não faz o outono) para se poder elencar todos os “motivos políticos”…
Uma redução de despesa no SNS, em 3 anos, de 1.500 milhões de euros, é mesmo decisão política, que traz consequências na eficácia do sistema e uma motivação forte para uma intervenção política dos atores da saúde, em favor do direito à saúde.
Ora leiam:
Governo quer atribuir a Medicina do Trabalho aos médicos de Medicina Geral e Familiar. Eles queixam-se e dizem que 40 horas não chegam para atender os 1.900 utentes impostos a cada um.
Não são só as consultas marcadas. Todos os dias, o chamado “médico de família” atende utentes vítimas de doença aguda, como uma febre. Observa grávidas, crianças, idosos. Faz planeamento familiar, passa receitas ou credenciais. E, no final do dia, ainda responde a telefonemas e e-mails de doentes com dúvidas se vale a pena bater à porta do centro de saúde. Tudo isto acrescentou, esta segunda-feira, mais 2 horas e meia ao horário de trabalho previsto do médico Daniel Pinto. O Governo quer acrescentar-lhe mais uma tarefa: a da Medicina do Trabalho. Um dos motivos para o especialista em Medicina Geral e Familiar parar em sinal de protesto e fazer greve. Mesmo que isso implique um excesso de horas de trabalho de compensação nos dias seguintes.
“Já sei que vou fazer greve e que depois vou ter a agenda sobrecarregada. As pessoas estão doentes e precisam”, disse o médico de 32 anos. “As pessoas precisam”. Tem sido este o lema que, desde já, o persegue. Ainda esta segunda-feira, entrou na Unidade de Saúde Familiar (USF) de São Julião da Barra, em Oeiras, às 12.00 quando a sua hora de entrada seria às 14.00. Saiu mais de meia hora depois do previsto. Os utentes precisavam e, para agravar, uma colega está de férias. No final do mês, embora Daniel esteja em horário parcial, o trabalho adicional não significa um pagamento de horas extraordinárias. “O que acontece nas USF é que há uma compensação por desempenho”, explica. Mas isso até dá “de barato”. “40 horas não são suficientes para dar resposta às necessidades de 1.900 pessoas, as pessoas têm dificuldade em marcar a consulta”, explica. E não só as consultas. Todos os dias, Daniel Pinto atende “situações de doença aguda, porque têm febre, vómitos… E tentamos atender no próprio dia”, conta.
“A maior parte dos médicos de família já não está a trabalhar com limite de vagas para esse tipo de doença [aguda]. Acrescem as consultas de adulto, das crianças, das grávidas, do planeamento familiar. Além dessa atividade ainda temos contactos indirectos: as pessoas que precisam de receitas ou credenciais para exames, ou declarações, que emitimos sem necessidade de a pessoa ter que ir uma consulta presencial. Os telefonemas, em que temos de consultar o processo, para tomar decisões. Alguns médicos também usam o e-mail com os doentes. Hoje respondi a 3, seja com pedidos de esclarecimentos seja para o envio de algum exame que tenhamos pedido. Isto são atividades não previstas no nosso horário”.
Para o médico, as listas de utentes a que os médicos estão obrigados desde 2013 são demasiado “extensas”. Daniel Pinto encontra-se em horário parcial, porque dá aulas na Universidade, e tem por sua conta 890 utentes. Cerca de metade dos 1.500 previstos, para cada médico. “Estamos a ser pressionados para chegar a 1.750″, reconhece. Para os especialistas que se encontram no regime das 40 horas semanais, a fasquia eleva-se para 1.900 utentes no mínimo.
Daniel Pinto contesta a ideia do Governo de atribuir aos médicos de Medicina Geral e Familiar a especialidade de Medicina do Trabalho. “A maior parte dos médicos não tem formação em Medicina do Trabalho, os que têm fizeram-na por sua conta. Ninguém põe um oftalmologista a operar um coração”, alerta.
A isto junta-se a falta de meios materiais, que também surge como um alerta para a greve marcada para os próximos 2 dias. “Na nossa unidade de saúde familiar, muitas vezes não temos pílulas nem preservativos e isso pode ter uma grande implicação a nível da saúde.  Às vezes não temos luvas ou espátulas para ver as gargantas. Isto pode ser por cortes ou por desorganização da própria estrutura. Mas o que é certo, é que há 5 anos não notávamos esta falha de abastecimento”, descreve.
Uma falha também constatada pela vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Rubina Correia. “Estamos solidários com os nossos colegas na greve porque está a ser difícil assegurar o nosso trabalho com qualidade”. Às listas de utentes e à falta de meios junta-se “a lentidão do sistema informático”. “Quando já estamos saturados e esperamos que as coisas melhorem, percebemos que vão dar-nos ainda mais uma missão”, desabafa.
Os médicos criticam ainda o “Código de Ética” que o Governo quer impor aos médicos. “A ser aprovado, eu não podia estar a contar-lhe tudo o que estou a contar. E isso seria um retrocesso enorme na informação prestada ao cidadão”, afirma o médico Daniel Pinto.
Observatório tece críticas ao governo
“Governação menos transparente e menos participada” é apenas uma das críticas do mais recente relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, em resposta aos “mecanismos que impedem ou limitam os investigadores em saúde de aceder a dados do SNS”.
O Observatório lembra como a crise económica influi na saúde de cada país e tece duras críticas à descentralização do Sistema Nacional de Saúde (SNS) que, na prática, considera que em termos de gestão está longe de um sistema centralizado.
“Verifica-se hoje em Portugal um conjunto de ações e medidas de política que evidenciam uma interrupção, senão um retrocesso, no processo de descentralização do sistema de saúde público. Tal opção, ainda que não programaticamente expressa pelo acual governo, poderá representar um elevado fator de risco do desempenho no futuro e na sustentabilidade do SNS, no quadro de um apertado programa de controlo externo das contas públicas por parte dos nossos credores, superior ao constante no Memorando de Entendimento negociado entre o Governo e a troika”.
O Observatório lembra o último relatório de avaliação do FMI, que em abril dava conta de uma redução de despesa no SNS de 1.500 milhões de Euros, menos 15% que em 2010, mas que as dívidas vencidas no setor continuavam a acumular-se, em particular nos hospitais EPE.

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